Oigaletchê se aproxegue pra ler, oigaletchê mais um causo eu vou contar.
Hoje a manhã está úmida, demasiada úmida, com cara de casa velha do campo, daquelas que tem limo, e tábuas com as extremidades podres. Hoje a manhã começou com meu velho amigo Ramil milongueando aos meu ouvidos, o que vem se mantendo frequente nas minhas manhãs, talvez pela suavidade matutina de uma milonga, ou talvez pelo embalo da saudade da morena. Começou com meu cigarro já bem acochambrado, havia sobrado de ontem.Tá frio de esfregar as mãos, o café fica gelado com mais rapidez na caneca. Sorvo meu café e acendo meu cigarro como de costume, observo as pessoas nos seu vai e vem, no seu cainhar falso, observo o sol que ainda nem saiu de traz das arvores, observo até um teia de aranha brilhar contra o sol, e o  gato me olha do telhado, calado, quieto, penso que me fiz ausente uns dias, que talvez ele tenha se acostumado com o frio, a solidão, com o brilho das estrelas, com a claridade da lua cheia. e na certeza de outras noites vindouras ele já não anseia ainda por matar a fome, penso na partida, no adeus, pigarreio um pouco, penso na saúde.
Penso também na morte, no momento da sua chegada, no momento da sua missão, penso na sua luta, numa guerra de adaga com a vontade, penso em degolar a morte e limpar seu sangue no meu negro lenço.
Afasto este personagem da minha manhã, e olho as pessoas, penso nas distâncias, como um anarquista penso no primitivo, no falso caminhar, nas falsas viagens, nas falsas liberdades, penso em luta, penso de carros, em mobilidade, em se deixar fluir.
Nesta manhã comecei o dia em farrapos, em luta, em pensamento, nesta manhã guardei um pedaço do meu cigarro para depois deste causo, nesta manhã sou marinheiro, do que o sol vem me trazer, de por onde o barco do tempo vai me transportar, aguardo. assim como o gato aguarda no telhado.