Todos os dias quando acordo, cedo, antes do sol clarear minha casa, antes dele se descortinar por detrás do cerro.
Eu encho uma caneca de café, preto, denso, forte, amargo, enrolo meu cigarro, e me sento a rua, para respirar o ar do dia.
Já fazem alguns dias que um de meus gatos tem amanhecido sobre o telhado da casa.
Já fazem dois dias que eu sento, sorvo meu café, acendo meu cigarro, jogo fora meu pigarro e observo.
Observo a vontade de sair dali, observo o olhar assustado diante do desafio, o olhar duvidoso, penoso até por se dizer.
Já fazem dois dias que durante meu café eu escuto seus miados, desculpa meu amigo, eu ainda não sou honroso do seu dialeto puro e simples.
Falo na minha língua torpe, no meu atropelo de ânsias refletidas em caracteres. Vai meu amigo, se joga, vai meu amigo, é baixo, vale o risco, o chão é perto, e se doer, o tempo vai curar, se ficar marca o corpo vai aceitar, vai meu amigo, vai!
Já fazem dois dias que eu estendo a mão ao meu amigo, subo calmamente no muro, chego até ele e simplesmente estendo a mão, ele olha assustado, confuso, no seu olhar de gato meu gesto não tem tanto peso nem significado quanto nessas palavras, no seu olhar de gato ele nem sabe que aquilo é uma mão. Mas ele vem. e eu seguro, e puxo, com leveza e carinho, mas puxo, ele demonstra medo mas se deixar vir, e se aninha no meu braço, coração bate rápido, pupila dilatada.
Um dia o joguei direto ao chão, ele me olhou e miou. o que? não sei, Doeu, obrigado, miau...
Ontem desci com ele non colo, e o larguei no chão com calma. Ele simplesmente correu para a comida dele, com fome, com sede. Eu? continuei sorvendo meu café, fumando e pigarreando.
Hoje, acordei mais cedinho, pela ânsia do dia ou pela dor da noite, pouco importa,cá estou, ainda sorvendo os últimos goles do meu café, e pensando já no próximo cigarro, o gato tá lá em cima, daqui eu escuto suas "palavras", daqui eu escuto seus passos, ao me sentar na rua para fumar cigarro da saudade, eu o vi quase pulando, eu dizia em voz um pouco mais alta, pula meu amigo, eu olhei em seus olhos e dizia pula meu amigo. Ele quase pulava. Está pingando uma chuvinha fria e fina na rua. um pingo longe do outro, com gosto de de cinza, com cor de solidão. E ele está lá em cima, até a chuva ficar fria demais? Até a fome e a sede estar demais? Até a solidão cortar o peito como faca de dois gumes e com sangue afogar os medos? Ou quem sabe até eu subir no muro, e estender a mão?
Hoje ainda estou sorvendo meu café, e me dei ao luxo de fritar mandiocas, com gosto da nostalgia infantil do fogão de lenha, Hoje me dei ao luxo de escrever-lhes logo cedo, quando o ar é novo e a cabeça limpa. Pula meu amigo felino. O chão é logo ali.